Natal, uma das sedes do Mundial de Futebol de 2014, mostrou o seu atual estágio de preparação para a recepção dos inúmeros estrangeiros que virão à capital potiguar tendo apenas o inglês na ponta da língua. A reportagem de O Poti/Diário de Natal, em companhia da professora de inglês Karinne Guedes, trilhou a cidade por diversos pontos costumeiramente visitados por estrangeiros, começando pelo aeroporto internacional Augusto Severo e seguindo de táxi até a praia de Ponta Negra e arredores.
O despreparo e o desconhecimento quase absoluto da língua inglesa pelos natalenses foram os dois grandes obstáculos encontrados ao longo do percurso. Das 35 pessoas abordadas em inglês, apenas três sabiam falar o idioma.
Começando às 8h45, o primeiro ponto visitado foi o aeroporto onde foi possível constatar as primeiras grandes barreiras a que os turistas estão submetidos. A porta de entrada para a cidade estava muda e só falava por gestos. No Aero Café, as garçonetes não compreenderam o simples pedido de duas torradas, um café com leite e um achocolatado.
Sem abrir a boca nem emitir som algum, a atendente apontava para o que havia à disposição, não apresentou nenhum cardápio e se mostrou ansiosa durante o atendimento. Para conseguir completar o pedido a demora foi de mais de cinco minutos e a única palavra dita em inglês pela garçonete, reproduzida como pergunta foi: Milk? (Que significa: Leite?). Depois de tanta dificuldade para se comunicar, o café ainda foi servido sem açúcar, ouvindo-se em seguida o comentário das atendentes: "Coitado do gringo".
Ainda no aeroporto, o repórter abordou um estrangeiro que seguia de volta para a Polônia e havia passado 20 dias em Natal. "Achei muito bom. As dificuldades para se comunicar aqui são muitas, mas é só ir aos lugares certos e conseguimos conversar e ser compreendidos", respondeu o rapaz, que passou a maior parte do tempo em um condomínio na praia de Zumbi, no município de Rio do Fogo.
Às 9h10, após o café da manhã, o roteiro pré-estabelecido fez o repórter seguir até um guichê de aluguel de veículos. Dos três guichês visitados, apenas uma vendedora o atendeu. Não sabia falar inglês, mas procurou se comunicar. Usou uma máquina de calcular para exibir valores dos veículos, explicou o tempo através de um calendário, tendo sido sempre cortês e procurando esclarecer todas as dúvidas questionadas.
Repórter: "Do you speak English?" (Você fala inglês?)
Vendedora: "Não, não falo."
Repórter: "But let's try. Can you explain us how can we rent a car? How much it cost?" (pedindo informações sobrecomo alugar um carro e quanto custaria).
Vendedora: "Os valores são esses aqui. Mas posso fazer mais barato", disse sorrindo.
Os guichês anteriores não fizeram questão de atender o repórter e sua acompanhante, já que não iria haver uma comunicação facilitada com os supostos turistas. Com a desistência de alugar um carro, o roteiro continuou às 9h30 com um passeio de táxi. Todos os recém chegados a Natal já ouviram falar a respeito do rico artesanato que existe no Rio Grande do Norte e sempre querem ir a locais onde possam adquirir esses produtos. Usando do mesmo desejo, o repórter e a acompanhante procuraram os taxistas que ficam à frente da entrada do aeroporto. O seguinte diálogo retrata o despreparo a que os profissionais de táxi estão submetidos.
Repórter: "Hello. How much to leave us in Ponta Negra?" (fazendo gesto que simboliza perguntar o quanto o taxista cobraria)
Taxista: "Ah, pra Ponta Negra que vocês querem ir, né? Faço por 40 reais"
Repórter: "What? I don't understand".
Taxista: "Vixi, não entendeu. Quarenta, qua-ren-ta!" (usou o celular e mostrou o preço no visor do aparelho)
Repórter: "We need to go to a hancraft store".(Queremos ir a uma loja de artesanato)
Taxista: "Rapaz, eu não falo inglês não. Vão ficar aonde em Ponta Negra?"
Repórter: "We heard something about a handcraft shopping in Natal". (Ouvimos falar algo sobre um shopping de artesanato em Natal)
Taxista: Ah, shopping. Eu levo vocês pra um. O Praia Shopping, vocês vão gostar".
Durante todo o percurso, o taxista, por nome Jordane, enrolou em um portunhol misturado com um francês mal falado. A comunicação entre ambas as partes era difícil e a compreensão do taxista não correspondia ao que era questionado. O repórter brincou com o nome do motorista, dizendo que o nome Jordane se assemelhava com Michael Jordan ou com o país Jordânia, o que provocou bastante descontração e risos no carro. O momento mais inesperado foi quando, indignado por não compreender nada do que era falado, o taxista pegou um Guia Natal, abriu na página Survive in Portuguese e procurou imagens para facilitar a comunicação, dizendo: "Espera aí que eu desenrolo já o inglês desse cara".
Ao passar em frente à feira de artesanato, às 10h05, a acompanhante do repórter apontou, dizendo ao Jordane que era ali que queria ficar. Ao despedir-se do taxista, iniciou-se o quarto estágio do suposto passeio turístico, dentro do Shopping de Artesanato. Das 20 lojas visitadas, apenas em duas foram encontradas pessoas que sabiam falar inglês e compreendiam o que o repórter Alex Costa, e a acompanhante Karinne Guedes, falavam. A primeira foi Evelyn Tomaz, 47, de Manaus, proprietária de uma loja no primeiro piso. De ascendência indígena, a manauara reside há quatro anos em Natal e encontrou no artesanato a sua vocação. A reportagem questionou a respeito da preparação para o Mundial. "Acho importante aprender inglês. Eu me esforcei para conseguir e aprendi. Isso é imprescindível para atender os turistas", disse. "A maioria dos turistas que aparecem por aqui são italianos, o que exige que saibamos mais que um idioma", completou.
A segunda proprietária foi Antônia Bennett, 50. Divorciada do marido, Antônia aprendeu a falar inglês no longo período que residiu na Inglaterra de modo que desconfiou que o repórter era um brasileiro que tentava enganá-la. "Notei logo pelo seu tom de pele, seus traços latinos, que você não era estrangeiro", afirmou. Desfeito o disfarce, Antônia apresentou a sua loja e falou da importância de saber outro idioma no local onde ela trabalha. "Lucramos mais que as pessoas que não são preparadas para atender em inglês. Meu sotaque é o inglês nordestino", gracejou. A proprietária da loja 2 do Shopping Artesanato disse ainda que os turistas que vêm a Natal muitas vezes não sabem falar bem o inglês, o que dificulta ainda mais a compreensão de ambas as partes. "Uma pessoa despreparada se vê então de frente com três barreiras: a incapacidade de falar, compreender e de ser entendido", finalizou.
Ainda no shopping, o repórter se apresentou para um turista, que não quis se identificar,que acompanhava 10 holandeses de férias em Natal. "Moro há 20 anos na Holanda e sei falar português. Por isso esse pessoal não tem tido problemas de comunicação pela cidade. Se eu não soubesse português, com certeza eles passariam por dificuldades", disse. Os holandeses disseram que ainda era muito cedo para saber se era tão difícil se comunicar, pois era o segundo dia deles na capital potiguar.
Depois das 11h, a dupla seguiu de ônibus para a orla de Ponta Negra. A linha 73 seguia para o destino enquanto as pessoas cochichavam a respeito dos supostos gringos que haviam subido no transporte. O ônibus, de três portas, não abriu a porta do meio para a descida dos turistas, que tiveram que descer por trás. O sol abrasador insistia que fosse ingerida muita água. Na praia, foram compradas duas águas de côco, gesticulando bastante para fazer entender ao que era pedido. Na torre de vigia dos salva-vidas, a acompanhante do repórter questionou o bombeiro Moreira sobre os perigos que haviam na praia. Moreira foi sucinto, compreendeu e respondeu ao que foi perguntado. "Não há perigo algum em toda a orla do Rio Grande do Norte. Tubarões só em Pernambuco. Aqui só tem golfinhos e tartarugas", respondeu em um inglês confuso, mas que funcionou.
Ao fim do passeio turístico, por volta das 11h45, a conclusão: Natal não está totalmente preparada para receber turistas falantes do inglês nos principais locais por onde os turistas se locomovem. Das 35 pessoas abordadas em inglês, apenas três sabiam falar inglês, o que corresponde a menos de 10% dos entrevistados.
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