Tribuna do Norte - 30/jun/2010
Repórteres: Carla França e Ciro Marques
Foto: Júnior Santos
Repórteres: Carla França e Ciro Marques
Foto: Júnior Santos
Rua Morro do Careca vive o medo em cada uma das casas. As pessoas preferem se trancar em casa para não correrem o risco de morrer
“Dizem que não rezo pelas almas dos meus inimigos. É mentira. Rezo para que queimem no inferno”. Essa frase, escrita na porta de uma casa da rua Cabo Honório, na Vila de Ponta Negra, representa o clima de violência e insegurança no qual vivem os moradores do local. A situação de insegurança ficou ainda pior depois da morte do bebê Rafael Alexandre, no último sábado (26).
“Dizem que não rezo pelas almas dos meus inimigos. É mentira. Rezo para que queimem no inferno”. Essa frase, escrita na porta de uma casa da rua Cabo Honório, na Vila de Ponta Negra, representa o clima de violência e insegurança no qual vivem os moradores do local. A situação de insegurança ficou ainda pior depois da morte do bebê Rafael Alexandre, no último sábado (26).
O medo é visível no rosto dos poucos moradores que resolvem sair de casa. Cenas antes comuns, como crianças brincando pelas calçadas viraram raridade. As pessoas olham assustadas para qualquer carro ‘diferente’ que passe pelas ruas.
“Eu vivo com medo. Cheguei em casa na segunda-feira a noite e só agora abri a porta da minha casa. Não consegui dormir com medo de que alguém fizesse alguma coisa contra minha família”, disse a moradora da rua Cabo Honório, que não quis ser identificada, por medo de represálias.
Só quando viu a equipe de reportagem da TRIBUNA DO NORTE, a senhora teve coragem de sair de casa. Ela é mãe de um dos homens que estariam envolvidos com o tiroteio do sábado na rua Morro do Careca, também na Vila de Ponta Negra. Mas segundo a empregada doméstica, o delegado Luiz Lucena descartou a participação do rapaz no tiroteio.
Uma outra moradora também falou sobre a falta de segurança no local. Segundo ela, a última vez que a polícia passou pela rua Cabo Honório foi no dia do crime. De lá para cá, nenhuma viatura teria circulado pelo local. “É um absurdo o abandono do pessoal da Vila. Nem depois de um acontecimento desse a polícia vem nos dar segurança. Estamos todos com medo porque a qualquer momento eles podem voltar aqui para querer vingar a morte da criança. E mais uma vez, um inocente poderá morrer”, disse a moradora assustada.
E todo esse medo não é à toa. As marcas da violência estão recentes. Na parede de uma casa, a bandeira do Brasil, pintada em homenagem à Copa do Mundo, foi alvejada na madrugada de sexta-feira (25), durante um tiroteio. “Ninguém mais vive tranquilo por aqui. Antes os bandidos se matavam, agora eles não querem mais nem saber, saem atirando em todo mundo. Até em quem não tem nada a ver com o crime”, disse um senhor que também não quis ser identificado.
Na rua Morro do Careca, conhecida como rua Treme-Terra, também imperam o medo e a lei do silêncio. Poucas pessoas nas calçadas, a lembrança daquele sábado, ainda estão bem vivas na memória dos moradores. “Está todo mundo amedrontado. Meus filhos não saem mais de casa. Foi uma cena horrível, os homens passaram atirando em quem estivesse na rua. Quem garante que não vai acontecer de novo? E cadê a polícia?”, questionou a dona de casa, que mora na rua Treme-Terra.
Vila de Ponta Negra não tem policiamento
A equipe de reportagem da TRIBUNA DO NORTE passou cerca de duas horas circulando pela Vila de Ponta Negra e nesse tempo não encontrou uma viatura da Polícia Militar fazendo ronda pelas ruas. Só por volta das 17h, quando a equipe estava na 15º Delegacia de Polícia – que não estava funcionando em virtude do feriado de São Pedro – é que uma viatura da Polícia de Turismo passou em frente à 15ª DP.
“Infelizmente a Vila de Ponta Negra não tem segurança para os seus moradores. Uma vez ou outra é que passa uma viatura da polícia, mas nós precisamos de um policiamento contínuo. Para se ter uma ideia, há anos lutamos para que seja colocado um posto policial aqui, mas até agora nada foi feito. Agora na parte rica de Ponta Negra tem posto policial e ronda constante”, reclamou o presidente do Conselho Comunitário de Ponta Negra, Emanoel Damasceno.
No posto policial do bairro, que fica nas proximidades da rua Praia de Tibau, a situação era diferente da encontrada na delegacia. Policiais e até uma viatura estavam no posto a espera de qualquer ocorrência. Em menos de cinco minutos dois carros da polícia passaram pela avenida Erivan França, ponto comercial da praia de Ponta Negra. De acordo com um policial, que não quis se identificar, duas viaturas fazem a ronda diariamente em todo o bairro. Uma circula pelas ruas da Vila e outra pela praia.
Informado de que a reportagem da TN não encontrou com nenhuma viatura pelas ruas da Vila de Ponta Negra, o policial disse que o carro deveria estar em diligência. Ainda segundo o policial, uma viatura do 5º Batalhão está a disposição para dar apoio e fiscalizar o cumprimento da ronda.
Delegado prossegue com a investigação em Ponta Negra
O delegado titular da 15ª Delegacia de Polícia em Ponta Negra, Luiz Lucena, não vai pedir proteção especial para o homem que seria o “alvo” dos bandidos que mataram o bebê Rafael Alexandro, de sete meses, e balearam outras cinco pessoas na rua Morro do Careca na noite de sábado. Já identificado e tendo prestado depoimento ao delegado, o homem também seria responsável por crimes na região e, inclusive, teria entrado em uma troca de tiros três dias antes da “tentativa de chacina”.
“Não faremos nenhum trabalho especial de proteção, até mesmo porque ele não fez nenhuma requisição especial para isso na Delegacia”, afirmou Lucena. Sem revelar o nome do homem, que moradores identificaram como Gilberto, o delegado afirmou ainda que o ouviu em depoimento ainda na segunda-feira. “Ouvimos o rapaz e outras 11 pessoas. Cinco delas foram vítimas do bando”, contou o delegado.
Além de vítimas e do possível “alvo”, o delegado ouviu ainda pessoas suspeitas de integrar a quadrilha responsável por causar a morte do bebê, mas que não participaram dos tiros disparados na noite de sábado. Essas pessoas foram detidas e encaminhadas para a Delegacia de Ponta Negra com a ajuda de uma equipe extra de policiais civis fornecida pela Delegacia Geral (Degepol), após uma reunião de Lucena com o delegado-geral Elias Nobre, e com o secretário de Segurança Pública e Defesa Social (Sesed), Cristóvam Praxedes. “Nos reunimos na segunda-feira pela manhã e a Sesed perguntou se tinha condição de realizar a investigação desse crime e se precisava de algum apoio, como por exemplo essa equipe extra”, afirmou o delegado de Ponta Negra, que começou ainda na noite de sábado as investigações.
O delegado deve continuar hoje as investigações sobre o homicídio, ouvindo mais testemunhas e trabalhando na identificação dos acusados – até o fechamento dessa edição, a informação era de que quatro pessoas participaram do crime. “Deveremos dar o destino correto para o caso o mais breve possível”, prometeu o delegado.
Segundo o Lucena, o bando, quando preso, deve ser autuado por homicídio triplamente qualificado, formação de quadrilha e lesão corporal grave contra as pessoas que foram baleadas, mas escaparam da morte em Ponta Negra.
Denarc faz levantamento dos pontos de venda
A existência de pontos para venda de drogas e o tráfico de crack é um dos maiores problemas apontados pela polícia em relação à segurança e violência no bairro de Ponta Negra. Levantamento feito pela Delegacia de Narcóticos (Denarc) sobre a venda de drogas, na capital, mostra o bairro com a segunda maior concentração de “bocas de fumo”.
Os registros da Denarc mostram que em apenas quatro bairros de Natal existem 758 pontos de venda de entorpecentes. A contabilização foi possível graças às denúncias feitas pela própria comunidade. No bairro das Quintas, na zona Oeste, foram catalogadas 233 bocas de fumo. Em Ponta Negra, na zona Sul, são 209 pontos. As Rocas tem 164 pontos de venda. Na zona Norte, o conjunto Vale Dourado, é o campeão com 152 pontos de venda de drogas.
A título de comparação, o número de pontos de vendas de drogas nesses quatro bairros é 457,35% maior que o número de escolas da rede municipal de ensino em toda a capital, que é de 136. Se for comparado com o número de unidades básicas de saúde na cidade, que é de 76, o número de bocas de fumo é 501,47% maior.
A grande oferta de drogas significa um grande número de usuários, o que, por tabela, quer dizer mais trabalho para a polícia que tem dificuldade em dar prosseguimento a investigação de outros delitos. Além disso, os policiais afirmam que o tráfico de drogas traz com ele uma série de outros crimes como homicídios, assaltos e furtos, que os dependentes cometem em busca de dinheiro para comprar principalmente crack e maconha.
“Alvo” já havia trocado tiros com bandidos
Apontado como “alvo” dos bandidos que atiraram e mataram o bebê Rafael Alexandro, Gilberto, conforme identificação feita pelos moradores da rua Morro do Careca, já é conhecido da 15ª Delegacia de Polícia, em Ponta Negra. Ele, que é acusado de três atos infracionais referentes a homicídio quando ainda tinha menos de 18 anos, está livre, mesmo já tendo completado a maioridade penal. “É importante que se registre que as nossas leis são muito permissivas. Prendemos o rapaz e pouco tempo depois ele está solto”, afirmou o delegado Lucena.
Gilberto teria também se envolvido em uma troca de tiros três dias antes do atentado na rua Morro do Careca. Na véspera de São João, durante a festa junina na Vila de Ponta Negra, ele teria atirado contra um dos bandidos que no sábado o procuraram e, como não o encontraram, decidiram atirar a esmo na rua em que estava. “São bandidos chinfrins, que lutam para se destacarem no mundo do crime. Foram para matar esse rapaz, não o encontraram e atiraram nos inocentes que estavam na rua. Um absurdo”, afirmou o delegado Lucena.
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