Colunista: Marcos Aurélio de Sá
O prefeito Carlos Eduardo e "a excepcional qualidade de vida" que os natalenses ostentam
* Conforme está declarado textualmente numa nota oficial da Assessoria de Comunicação do prefeito Carlos Eduardo Alves encaminhada a esta coluna na sexta-feira passada e publicada na edição de sábado, a Semurb (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo) demora meses - e até anos - para analisar e licenciar a construção de novos empreendimentos imobiliários em Natal apenas com um objetivo: garantir aos natalenses "a excepcional qualidade de vida que hoje ostentamos".
* Creio que só alguém que viva fora da realidade, um autista talvez, teria a ousadia de desmentir os fatos lamentáveis que se sucedem diariamente aos nossos olhos, para dar a declaração estapafúrdia de que goza de "excepcional qualidade de vida" uma população de quase um milhão de pessoas submetidas a consumir água contaminada com coliformes fecais e substâncias cancerígenas, sem direito a serviços de saúde pública minimamente dignos, e com escolas (caso, no dia de hoje, da Escola Municipal Otto de Brito Guerra, localizada entre os bairros de Candelária e Planalto) impossibilitadas de funcionar porque gangues juvenis ameaçam e agridem professores e alunos, além de depredarem e roubarem o patrimônio público sem serem incomodadas.
* Não compreendo como "excepcional qualidade de vida" a cidade ter os canteiros de suas ruas e avenidas, a cada sinal de trânsito, tomados por bandos de crianças e adultos de mãos estiradas, pedindo esmolas ou forçando a barra para "lavar" os parabrisas dos automóveis e arrancar uns trocados dos motoristas.
* Não vejo como "excepcional qualidade de vida" convivermos com dezenas de homicídios todas as semanas, com centenas de assaltos a mão armada, com as quadrilhas de traficantes de drogas dominando a periferia urbana, sem que os cidadãos possam depositar o mínimo de confiança na proteção que lhe é devida pelo aparato da segurança pública do Estado.
* Não quero nem falar nos esgotos a céu aberto, nas "línguas pretas" que poluem as praias da cidade, no trânsito caótico, nas legiões de camelôs invadindo as calçadas dos bairros comerciais, da iluminação pública deficiente...
* Mas para justificar a procrastinação da análise e do licenciamento de médios e grandes empreendimentos imobiliários em Natal, a nota do porta-voz do prefeito Carlos Eduardo Alves afirma que ele, o prefeito, "jamais será conivente com crimes ambientais, doa a quem doer", como se a construção de modernos edifícios e condomínios residenciais para atender à demanda do mercado fosse algo criminoso. Não faz referência, porém, à total omissão da Prefeitura diante das constantes invasões de áreas de preservação permanente por novas e numerosas favelas, fato corriqueiro no dia-a-dia da cidade.
* Hoje em dia o mundo inteiro está correndo em busca de investidores. Há um consenso internacional (partilhado até por países ainda submetidos ao autoritarismo dos antigos regimes comunistas, tipo China, Coréia do Norte, Vietnam e Cuba) de que só através da ampliação da oferta de empregos produtivos e do aumento da renda para a população via estímulos à iniciativa privada se conseguirá vencer o subdesenvolvimento econômico e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.
* Estranhamente, aqui em Natal, parcela ponderável da nossa elite dirigente -- o prefeito Carlos Eduardo aí incluído -- parece ver a chegada espontânea, crescente e alvissareira dos investimentos privados como uma grave ameaça à "excepcional qualidade de vida que hoje ostentamos", a ponto de simplesmente se repudiar empreendimentos que hoje poderiam estar oferecendo centenas de empregos diretos e permanentes (como o hotel do grupo BRA na Via Costeira, embargado pela Prefeitura porque impede, por alguns segundos, a visão do mar pelos transeuntes).
* Se "não há projetos engavetados na Semurb", como alega a nota oficial da Assessoria de Comunicação do prefeito, como se justifica a existência de mais de 500 pedidos de licença de construção acumulados no órgão nos últimos três anos?
* O presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea/RN), Adalberto Pessoa -- que também é secretário estadual de Infra-estrutura e fala com conhecimento de causa -- diz que a estrutura da Semurb é a mesma de 20 anos atrás, quando a demanda pelos seus serviços eram infinitamente menores do que nos dias atuais.
* E, vendo o problema pela ótica de que é preciso resolvê-lo com urgência, Adalberto chega a sugerir que a Prefeitura recorra à terceirização para que as análises dos muitos projetos pendentes possam ser agilizadas, em benefício da própria arrecadação do município, já que a concessão de cada licença chega a representar o ingresso de quantias que variam entre R$ 300 mil e R$ 500 mil nos cofres municipais, o que não é pouco dinheiro. Basta observar que as taxas devidas pela concessão de licenças aos mais de 500 projetos acumulados representam uma soma da ordem de R$ 200 milhões (o que daria para construir outra ponte da Redinha).
* Mas eis que a Prefeitura aponta o gesto cooperativo e bem intencionado do presidente do Crea/RN como "lobby de um grupo que quer terceirizar o licenciamento imobiliário", como se por trás disso existissem interesses escusos.
* Outra visão absolutamente distorcida da realidade, usada como argumento para minimizar os efeitos sociais perversos da Operação Engavetamento dos processos de licenciamento na Semurb, surge quando a nota oficial do porta-voz do prefeito argumenta que "não há desemprego" na indústria da construção civil em Natal.
* Essa afirmação já foi desmentida na semana passada, quando em entrevista a este jornal o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil declarou que, pelos levantamentos do órgão de classe, passam de 30 mil os operários desse ramo de atividade à procura de trabalho em nossa região metropolitana.
* Se viesse a ocorrer a rápida liberação dos 500 processos acumulados na Semurb poderiam ser criados, de uma tacada, cerca de 25 mil empregos diretos. E levando-se em conta os dados que atestam a criação de mais sete empregos indiretos para cada emprego formal surgido na indústria da construção civil, aí sim, com a oferta de mais 187,5 mil oportunidades de trabalho, praticamente deixaria de existir desemprego em Natal.
* Qualquer cidadão com o mínimo de sensibilidade sabe que, com aumento da oferta de empregos -- especialmente para atender pessoas de baixa escolaridade e menor nível de qualificação profissional -- se conseguiria reduzir drasticamente o elevado índice de violência e criminalidade dentro de qualquer agrupamento humano.
* Portanto, impedir (ou dificultar) que a oferta de empregos cresça dentro de uma sociedade é um ato por si só criminoso, já que favorece ao desmantelamento da ordem pública e induz parcelas significativas da sociedade às atividades econômicas marginais, entre elas o furto, o roubo, o tráfico, a pistolagem, etc.
* Se o prefeito, que é bacharel em Direito, repudia a declaração deste colunista de que existe um "procedimento criminoso" na Semurb ao obstaculizar o desenvolvimento urbano legalmente ordenado, só resta sugerir-lhe que volte a consultar seus velhos manuais de ciências jurídicas para descobrir que qualificativo merece quem concorre, mesmo que indiretamente, para a consecução de crimes.
* Por último, uma sugestão: se a própria nota oficial da Assessoria de Comunicação reconhece que "é verdade que Natal está passando por um processo conhecido como 'boom' imobiliário" e que "a estrutura da Prefeitura não estava preparada para este aumento de demanda", por que o prefeito, ao invés de se fantasiar de paladino quixotesco dessa "excepcional qualidade de vida" (que só ele parece ostentar), não toma as medidas racionais exigidas para que não percamos os empreendimentos capazes, aí sim, de assegurar um futuro melhor para os natalenses e de ampliar a arrecadação de impostos para que o município possa dotar a cidade de uma infra-estrutura condizente com a metrópole que já somos?
1 comentários:
Diante de um verdadeiro tratado de "mestre"? porque o autor dessa "dissertação" de mestrado não é convidado a expor suas teses em uma audiência pública?
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