TRIBUNA DO NORTE - 22/nov/2009
Foto: Júnior Santos
Ainda são poucos os motoristas que têm o hábito de parar para pedestres atravessarem na faixa
Na Avenida Hermes da Fonseca, além de enfrentar a falta de acessibilidade das calçadas, a aposentada Maria Orieta, de 72 anos, depende da paciência dos ajudantes Roberto Dias e Robson Oliveira para atravessar a rua, mesmo na faixa de pedestres. Enquanto a reportagem conversava com um dos ajudantes, o outro demonstrou o quanto é difícil fazer a travessia.
No momento em que Roberto começou a empurrar a cadeira, já quase na metade da rua, um dos veículos que passava na avenida, com espaço de sobra para frear, manteve a velocidade alta e, por pouco, não provocou um acidente.
“É sempre uma dificuldade para atravessar a rua na faixa, mesmo com uma pessoa deficiente e mesmo dando a mão antes de atravessar”, contou “Tem vezes que o carro vê que nós já estamos na rua, mas em vez de frear, continua na mesma velocidade e só faz desviar da gente”, acrescentou Robson Oliveira.
Outro problema é a falta de respeito aos tipos específicos de vagas nas ruas e shoppings da cidade. Na Avenida Afonso Pena, as duas vagas para deficientes em frente ao Hospital Papi constantemente estão ocupadas por veículos sem identificação de necessidades especiais. Um deles era do aposentado Amiro Alves, que argumentou não ter onde estacionar o carro. “Eu rodei pela rua, mas não achei vaga e tive que vir até aqui na frente para deixar uma criança que iria fazer um exame, mas se for necessário eu tiro, fico aqui perto caso apareça alguém que precise”, alegou.
No entanto, esse alguém apareceu e Amiro não viu. O motorista Delmo Luiz estava num veículo adesivado para portadores de deficiência, mas teve que parar o carro em frente a uma garagem enquanto ajudava uma senhora deficiente a sair do carro. “Ela teve um infarte e precisa andar de cadeira de rodas, então eu tive que parar aqui, trancando os carros, para ela descer. É muito comum isso acontecer e a Prefeitura não fiscaliza nada”, reclamou.
As vagas para ambulância também não costumam ser respeitadas. Ainda no hospital Papi, a reportagem flagrou o espaço destinado para embarque e desembarque de pacientes ocupado por veículos comuns.
Segundo o maqueiro João Maria, os médicos alegam que vão atender a emergências para deixar o veículo ali.
“Às vezes, os próprios clientes vêm e deixam aí, respondem que não vão tirar de jeito algum e nós temos que chamar a direção”, informou.
Para retirar o paciente da ambulância, os maqueiros precisam ir até a rua e disputar o espaço com pedestres e bicicletas. “É complicado até porque tem o risco de ter algum acidente né?”, completou.
Acúmulo de lixo é culpa da população
O que também vem incomodando a população natalense é o acúmulo de lixo nas ruas. Não só pelas conseqüências imediatas, como mau cheiro e presença de bichos, mas também pelos problemas ambientais. E o que se vê com cada vez mais freqüência são terrenos baldios e canteiros centrais “enfeitados” com sacolinhas plásticas de lixo doméstico ou restos de materiais de construção jogados por carroceiros e por moradores que decidem não mais esperar a coleta atrasada da Prefeitura.
No cruzamento da avenida Amintas Barros com a rua dos Caicós, um enorme terreno baldio virou palco do cenário acima descrito. Os moradores próximos reclamam da fedentina e dos insetos que entram nas casas, mas admitem que parte do lixo é colocado ali por alguns residentes do local. A reportagem flagrou o carroceiro Ailton Cândido despejando areia no local. Segundo ele, esse tipo de entulho está ‘correto’. “Eu sempre coloco resto de construção aqui porque a Urbana vem e leva, mas lixo de casa como esses que estão aqui, eu não jogo não, porque esse fica aí”, disse.
Na avenida Romualdo Galvão, outro exemplo. O autônomo Mauro Pedro despejava um carrinho de mão com gesso e pedras provenientes de construção. “Eu trouxe de uma obra que está tendo aqui perto, mas colocando assim pertinho do posto, no meio do canteiro, a Urbana leva tudo”, disse. No entanto, todo o entulho foi jogado solto e o que estava ensacado, ficou espalhado pelo canteiro.
Mas tem outro tipo de lixo que preocupa ainda mais porque é jogado com menos consciência ainda pela população. Embalagens plásticas, latas de alumínio, sacolas, papel, canudos e outra infinidade de coisas que “descansam” nas calçadas, nas ruas, nas plantações, nos bueiros, nos esgotos e por aí vai. Quando a chuva vem, os bueiros entupidos fazem com que a água alague as casas ou o lixo é carregado pelas ruas para um dos mais importantes rios do RN, o Potengi.
Maus hábitos estão ligados às raízes das relações mercantis
“Desculpas”, ”por favor,” e “obrigado” são palavras difíceis de serem ouvidas nas ruas e até nas relações de amizade. As expressões de civilidade estão sendo substituídas por palavras de baixo calão, xingamentos e palavrões e essa “troca” acontece cada vez mais cedo. Não é raro encontrar crianças com a ‘boca suja’, mas antes de se culpar os pais, é necessário avaliar a sociedade em que vivem e que os educa.
Os “argumentos” para os comportamentos descritos na reportagem são muitos, desde a falta de tempo, de paciência e de uma boa criação. Mas as explicações dos especialistas vão além das alegações citadas. Para eles, os motivos são muito mais complexos e de raízes muito mais profundas. Segundo o cientista social Alípio Sousa, a ausência do respeito ao próximo é uma das conseqüências do capitalismo exagerado.
“Como vivemos, predominantemente, em sociedades nas quais impera a ideologia das relações mercantis, constrói-se uma visão da realidade como se tudo nela existente se reduzisse às mercadorias que se pode comprar, vender, consumir, descartar, substituir. Assim também as pessoas são tratadas. O outro pode ser usado e descartado, substituído, valorizado quando importa, desvalorizado em seguida”, explicou.
Para ele, lançar lixo fora de lixeiras, utilizar celular ao volante, estacionar indevidamente em vagas especiais, falar alto ou ouvir música a todo volume são exemplos até singelos dessa falta de respeito. “Não respeitar o outro tem formas muito mais graves e até mesmo violentas em nossa sociedade. O desconhecimento do outro aparece também nas diversas formas de negligência da atenção ao outro nos serviços públicos de educação, saúde, segurança e no próprio tratamento que o Estado, os governantes e as elites econômicas e políticas dão a questões essenciais que envolvem a vida de todos”, acredita o cientista.
A vida corrida e estressante que se leva hoje também não é argumento aceitável visto que pessoas educadas e ativas do respeito não terão dificuldade em se portar da mesma maneira diante da pressa da vida urbana.
De fato, não é a sociedade que determina tais comportamentos, mas sim os fatores difundidos por ela.
Competição desmedida, incentivo da rivalidade, exploração, práticas de estigma, discriminação, desvalorização e inferiorização do outro são motores críticos para a incivilidade. “Polidez, cortesia, educação no trato com outrem são atitudes que resultam de aprendizagem social”, concluiu o cientista. Portanto, não basta apenas investir em escolas sem investir nas pessoas.
Opinião de Alípio Sousa Filho (cientista social)
Como se pode pretender que, na nossa sociedade, predomine a “civilidade” se toda ela está atravessada da ideologia da barbarização do outro, em seus direitos individuais e coletivos-públicos? Barbarização que inclui, da parte das elites econômicas e políticas, e tomemos o exemplo da sociedade brasileira, a incivilidade da corrupção, da depredação da coisa pública, do abuso de poder.
Como esperar da sociedade que esta siga “padrões de civilidade” se aqueles que a dirigem, governam e formam opinião agem de um modo selvagemente patrimonialista, grosseiramente clientelista e fisiologista, e atuam na perspectiva de manter seus privilégios? Como pode haver educação para a polidez, a cortesia, se aqueles que dirigem a sociedade, pelo poder econômico, político e cultural que detêm, são desrespeitosos dos direitos das maiorias, usurpam de seus poderes?
Como se pode cobrar de uma população a quem se oferece uma educação de baixa qualidade nas escolas, pela falta de investimentos na formação de professores, bibliotecas etc.? População a quem se oferece apenas o simulacro da educação e da cultura.
Na Avenida Hermes da Fonseca, além de enfrentar a falta de acessibilidade das calçadas, a aposentada Maria Orieta, de 72 anos, depende da paciência dos ajudantes Roberto Dias e Robson Oliveira para atravessar a rua, mesmo na faixa de pedestres. Enquanto a reportagem conversava com um dos ajudantes, o outro demonstrou o quanto é difícil fazer a travessia.
No momento em que Roberto começou a empurrar a cadeira, já quase na metade da rua, um dos veículos que passava na avenida, com espaço de sobra para frear, manteve a velocidade alta e, por pouco, não provocou um acidente.
“É sempre uma dificuldade para atravessar a rua na faixa, mesmo com uma pessoa deficiente e mesmo dando a mão antes de atravessar”, contou “Tem vezes que o carro vê que nós já estamos na rua, mas em vez de frear, continua na mesma velocidade e só faz desviar da gente”, acrescentou Robson Oliveira.
Outro problema é a falta de respeito aos tipos específicos de vagas nas ruas e shoppings da cidade. Na Avenida Afonso Pena, as duas vagas para deficientes em frente ao Hospital Papi constantemente estão ocupadas por veículos sem identificação de necessidades especiais. Um deles era do aposentado Amiro Alves, que argumentou não ter onde estacionar o carro. “Eu rodei pela rua, mas não achei vaga e tive que vir até aqui na frente para deixar uma criança que iria fazer um exame, mas se for necessário eu tiro, fico aqui perto caso apareça alguém que precise”, alegou.
No entanto, esse alguém apareceu e Amiro não viu. O motorista Delmo Luiz estava num veículo adesivado para portadores de deficiência, mas teve que parar o carro em frente a uma garagem enquanto ajudava uma senhora deficiente a sair do carro. “Ela teve um infarte e precisa andar de cadeira de rodas, então eu tive que parar aqui, trancando os carros, para ela descer. É muito comum isso acontecer e a Prefeitura não fiscaliza nada”, reclamou.
As vagas para ambulância também não costumam ser respeitadas. Ainda no hospital Papi, a reportagem flagrou o espaço destinado para embarque e desembarque de pacientes ocupado por veículos comuns.
Segundo o maqueiro João Maria, os médicos alegam que vão atender a emergências para deixar o veículo ali.
“Às vezes, os próprios clientes vêm e deixam aí, respondem que não vão tirar de jeito algum e nós temos que chamar a direção”, informou.
Para retirar o paciente da ambulância, os maqueiros precisam ir até a rua e disputar o espaço com pedestres e bicicletas. “É complicado até porque tem o risco de ter algum acidente né?”, completou.
Acúmulo de lixo é culpa da população
O que também vem incomodando a população natalense é o acúmulo de lixo nas ruas. Não só pelas conseqüências imediatas, como mau cheiro e presença de bichos, mas também pelos problemas ambientais. E o que se vê com cada vez mais freqüência são terrenos baldios e canteiros centrais “enfeitados” com sacolinhas plásticas de lixo doméstico ou restos de materiais de construção jogados por carroceiros e por moradores que decidem não mais esperar a coleta atrasada da Prefeitura.
No cruzamento da avenida Amintas Barros com a rua dos Caicós, um enorme terreno baldio virou palco do cenário acima descrito. Os moradores próximos reclamam da fedentina e dos insetos que entram nas casas, mas admitem que parte do lixo é colocado ali por alguns residentes do local. A reportagem flagrou o carroceiro Ailton Cândido despejando areia no local. Segundo ele, esse tipo de entulho está ‘correto’. “Eu sempre coloco resto de construção aqui porque a Urbana vem e leva, mas lixo de casa como esses que estão aqui, eu não jogo não, porque esse fica aí”, disse.
Na avenida Romualdo Galvão, outro exemplo. O autônomo Mauro Pedro despejava um carrinho de mão com gesso e pedras provenientes de construção. “Eu trouxe de uma obra que está tendo aqui perto, mas colocando assim pertinho do posto, no meio do canteiro, a Urbana leva tudo”, disse. No entanto, todo o entulho foi jogado solto e o que estava ensacado, ficou espalhado pelo canteiro.
Mas tem outro tipo de lixo que preocupa ainda mais porque é jogado com menos consciência ainda pela população. Embalagens plásticas, latas de alumínio, sacolas, papel, canudos e outra infinidade de coisas que “descansam” nas calçadas, nas ruas, nas plantações, nos bueiros, nos esgotos e por aí vai. Quando a chuva vem, os bueiros entupidos fazem com que a água alague as casas ou o lixo é carregado pelas ruas para um dos mais importantes rios do RN, o Potengi.
Maus hábitos estão ligados às raízes das relações mercantis
“Desculpas”, ”por favor,” e “obrigado” são palavras difíceis de serem ouvidas nas ruas e até nas relações de amizade. As expressões de civilidade estão sendo substituídas por palavras de baixo calão, xingamentos e palavrões e essa “troca” acontece cada vez mais cedo. Não é raro encontrar crianças com a ‘boca suja’, mas antes de se culpar os pais, é necessário avaliar a sociedade em que vivem e que os educa.
Os “argumentos” para os comportamentos descritos na reportagem são muitos, desde a falta de tempo, de paciência e de uma boa criação. Mas as explicações dos especialistas vão além das alegações citadas. Para eles, os motivos são muito mais complexos e de raízes muito mais profundas. Segundo o cientista social Alípio Sousa, a ausência do respeito ao próximo é uma das conseqüências do capitalismo exagerado.
“Como vivemos, predominantemente, em sociedades nas quais impera a ideologia das relações mercantis, constrói-se uma visão da realidade como se tudo nela existente se reduzisse às mercadorias que se pode comprar, vender, consumir, descartar, substituir. Assim também as pessoas são tratadas. O outro pode ser usado e descartado, substituído, valorizado quando importa, desvalorizado em seguida”, explicou.
Para ele, lançar lixo fora de lixeiras, utilizar celular ao volante, estacionar indevidamente em vagas especiais, falar alto ou ouvir música a todo volume são exemplos até singelos dessa falta de respeito. “Não respeitar o outro tem formas muito mais graves e até mesmo violentas em nossa sociedade. O desconhecimento do outro aparece também nas diversas formas de negligência da atenção ao outro nos serviços públicos de educação, saúde, segurança e no próprio tratamento que o Estado, os governantes e as elites econômicas e políticas dão a questões essenciais que envolvem a vida de todos”, acredita o cientista.
A vida corrida e estressante que se leva hoje também não é argumento aceitável visto que pessoas educadas e ativas do respeito não terão dificuldade em se portar da mesma maneira diante da pressa da vida urbana.
De fato, não é a sociedade que determina tais comportamentos, mas sim os fatores difundidos por ela.
Competição desmedida, incentivo da rivalidade, exploração, práticas de estigma, discriminação, desvalorização e inferiorização do outro são motores críticos para a incivilidade. “Polidez, cortesia, educação no trato com outrem são atitudes que resultam de aprendizagem social”, concluiu o cientista. Portanto, não basta apenas investir em escolas sem investir nas pessoas.
Opinião de Alípio Sousa Filho (cientista social)
Como se pode pretender que, na nossa sociedade, predomine a “civilidade” se toda ela está atravessada da ideologia da barbarização do outro, em seus direitos individuais e coletivos-públicos? Barbarização que inclui, da parte das elites econômicas e políticas, e tomemos o exemplo da sociedade brasileira, a incivilidade da corrupção, da depredação da coisa pública, do abuso de poder.
Como esperar da sociedade que esta siga “padrões de civilidade” se aqueles que a dirigem, governam e formam opinião agem de um modo selvagemente patrimonialista, grosseiramente clientelista e fisiologista, e atuam na perspectiva de manter seus privilégios? Como pode haver educação para a polidez, a cortesia, se aqueles que dirigem a sociedade, pelo poder econômico, político e cultural que detêm, são desrespeitosos dos direitos das maiorias, usurpam de seus poderes?
Como se pode cobrar de uma população a quem se oferece uma educação de baixa qualidade nas escolas, pela falta de investimentos na formação de professores, bibliotecas etc.? População a quem se oferece apenas o simulacro da educação e da cultura.
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