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.: Ponta Negra: Vai dar praia ou esgoto?

NOVO JORNAL - 19/nov/2009
Repórter: Fábio Farias

Fotos: Humberto Sales e Magnus Nascimento


Ligações clandestinas tornaram rotineira a interdição da praia para banhos

Projeto de emissário submarino ameaça qualidade da água e opõe especialistas

Praia de Ponta Negra, 16h. Um casal de turistas caminha ao lado de uma rede de esgoto clandestina estourada. Água suja na rua e mau cheiro no ambiente. Próximo dali, o aviso em vermelho do Idema indica, em três línguas diferentes: área imprópria para o banho. É a segunda vez, em menos de uma semana, que o esgoto estoura na área. Há uma semana em Natal, o turista paulista Amauri Leal reclama: “É muito ruim chegar na cidade e ver que a praia está poluída por conta de esgoto”. Cristiane Weber, gerente de um hotel, diz que, “na última quinta-feira, nem os carros conseguiam passar para chegar aqui no hotel. Temos prejuízo com isso”.

A poluição em Ponta Negra acontece por conta do esgotamento clandestino que, hora ou outra, estoura e vai parar no mar. Agora, o Governo do Estado e a Prefeitura de Natal planejam construir dois emissários submarinos (um para lançar esgoto na praia e outro para a drenagem das áreas pluviais de Capim Macio) que podem comprometer o nosso principal cartão postal. Os projetos serão debatidos em audiência pública marcada para 9h30 de hoje na Assembléia Legislativa.

Desde o início das obras de saneamento básico na Zona Sul de Natal, de Capim Macio até a Cidade Satélite, a questão de onde jogar o esgoto da área fi cou em aberto. A Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern) propôs como solução a construção de um emissário submarino para lançar os efluentes ao mar. O emissário receberia o esgoto de toda a área da Zona Sul – que tem cerca de 280 mil moradores – na região da Barreira do Inferno. Esses detritos iriam para uma Estação de Tratamento Preliminar, para a retirada de dejetos sólidos, e depois passariam por dois tratamentos complementares para combater os coliformes fecais e as demais bactérias. Depois, a água tratada seria lançada a 2.732 metros da costa, na praia por trás do Morro do Careca.

Área de segurança

Segundo o diretor de projetos da Caern, Josildo Lourenço (foto), o tratamento seria capaz de reduzir em 93% a carga orgânica da água e em 99,2% os coliformes fecais produzidos. “Um esgoto comum tem uma média de 10 milhões de coliformes fecais por 100 mililitros de água. Esse percentual se reduziria para algo em torno de 70 a 80 mil bactérias para essa mesma quantidade. Além disso, esse material será lançado a 2.732 metros da costa, sem risco para a população e o meio ambiente”. Ele acrescenta que os estudos ambientais e técnicos comprovam que o mar tem capacidade de depuração dessas bactérias e que elas não retornariam para a área de banho, de até 300 metros da linha da costa. Ou seja, não haveria contaminação na praia.

Josildo afirma que o tratamento terciário – reivindicado pelos ambientalistas – seria desnecessário e tornaria o projeto mais caro. Ele destaca que a obra tem uma “área de segurança” extra de 700 metros. “Todo projeto de engenharia trabalha com uma margem de segurança. Os nossos estudos indicaram que, a dois mil metros da costa, já não apresentava riscos. Aumentamos a distância em 700 metros para termos uma segurança a mais”, disse.

Ambientalista quer reutilizar água

Os ambientalistas alegam que o emissário pode tornar a praia imprópria para banho, aumentando os problemas já provocados pelo esgoto clandestino. Yuno Silva, do SOS Ponta Negra, destaca que o projeto tem três problemas: “Faltou transparência da Caern, não houve um estudo profundo de impacto ambiental e falta o tratamento adequado dos detritos”. Segundo ele, a Caern modificou o projeto após as últimas audiências. “O primeiro emissário que nos apresentaram tinha um tratamento primário, em seguida eles falaram que iam fazer o tratamento terciário e iam lançar os detritos a 5 km da praia, e agora mudaram tudo”, disse.

Ele afirma ainda que uma característica do nosso litoral não foi considerada. Segundo Yuno, o litoral potiguar é crenulado e as correntes marítimas fazem um movimento de leque que pode trazer para a costa os coliformes fecais. “Não há a certeza de que esses detritos não venham contaminar a praia”, diz. Para ele, a melhor solução seria o tratamento terciário da água, que a deixaria quase potável e pronta para reutilização, “seja em irrigação, seja no ambiente industrial.”

Empresário teme prejuízo

Eduardo Bagnolli, empresário e presidente da Associação de Moradores, Empresários e Amigos de Ponta Negra (AME-Ponta Negra), afirma que o emissário pode afetar drasticamente o turismo:“No Guarujá, no litoral paulista, houve um emissário que um dos canos rompeu coisa que prejudica até hoje o turismo na área. Se eles têm 81 milhões para gastar numa obra, porque não usam o dinheiro todo para fazer bem feito?”

Eduardo é a favor da reutilização da água, após o tratamento. Segundo ele, o argumento (falta de demanda) que a Caern usa para não reaproveitar, é falho. “Com o tratamento terciário, teríamos uma água industrial que poderia ser usada de forma mais barata para a irrigação”, conta. Ele afi rma ainda que essa água poderia atrair mais empreendimentos, além de baratear o custo do metro cúbico para o empresário: “Existe um projeto de construção de um campo de golfe no litoral sul. Essa água tratada do esgoto poderia ser usada ali.”

Ministério Público exige novos estudos

A promotora do meio ambiente do Ministério Público Estadual, Gilka da Mata, afirma que, desde apresentação do primeiro projeto, em março de 2008, os estudos ambientais contratados pela Caern eram insatisfatórios e incompletos. O MPE chegou a pedir estudos complementares no projeto. “Não havia sequer uma análise computacional da pluma de contaminantes, considerada
elementar para implantar qualquer tipo de emissário”, disse Gilka.

Em outubro deste ano, o órgão apresentou estudos complementares, mas, segundo ela, ainda incompletos: “Há dúvidas se os dados que alimentaram o modelo computacional que realiza a projeção da pluma de contaminantes no mar foram suficientes para garantir a segurança no tocante à qualidade da água da praia”.

Para esclarecer as dúvidas e firmar posição sobre o projeto, o Ministério Público enviou os estudos da Caern para análise por uma equipe de técnicos especialistas.

COMO É HOJE

Segundo dados da Caern, apenas 33% da área de Natal são saneados e 17% dos esgotos passam pelas Estações de Tratamento (ETE). Os detritos na área da Zona Sul de Natal, tantos os tratados quanto os não tratados, são infi ltrados em uma região fluvial na rota do sol. O esgotamento da região central da cidade tem como destino fi nal o Rio Potengi, à altura do viaduto do Baldo.

O PROJETO

O Emissário Submarino está orçado em 46 milhões de reais. A Caern contratou estudos de vários órgãos, entre eles a Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos da UFRJ, para analisar a infl uência dos dejetos na área de banho. Todos os estudos, segundo a Caern, indicaram esse modelo de emissário. O Governo Estadual disponibilizou 81 milhões para estudos e para obras. O custo de um tratamento terciário da água a ser lançada ao mar seria de 31 milhões, o que aumentaria o custo total da obra para 77 milhões de reais. “Todos os nossos estudos deixaram claro que um tratamento terciário dessa água seria um gasto de dinheiro desnecessário”, disse Josildo Lourenço, da Caern.

Emissário de drenagem também está na lista de ameaças às praias

Pouco discutido pela sociedade, o projeto de outro emissário submarino, pela Secretaria Municipal de Obras Públicas e Infraestrutura (Semopi), prevê o lançamento ao mar das águas drenadas de Capim Macio. O emissário é parte fundamental do projeto de drenagem do bairro e também enfrenta resistência de ambientalistas, que temem as ligações clandestinas de esgotos e a contaminação das praias da Via Costeira e Ponta Negra. Segundo o secretário Demétrio Torres, “esse pequeno emissário vai pegar as águas das lagoas de captação e jogá-las ao mar, à altura do hotel Ocean Palace”, disse. O projeto chegou a ser embargado e está sendo submetido a uma perícia, “para saber se ele poderá ser usado”.

O emissário de drenagem custará em torno de R$ 5 milhões. As águas pluviais seriam jogadas a 300 metros da costa, sem nenhum tipo de tratamento, porque, segundo o secretário, não possuem o mesmo grau de poluição do que a água de esgoto.

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