TERRITÓRIO LIVRE - 02/fev/2010
O assunto está na ordem do dia. A arquiteta e ambientalista Eleika Rochelle de Carvalho Bezerra Fechine (rochellebezerra@uol.com.br), Metroforma para os twitteiros, perguntou se o TL poderia postar suas bem traçadas. Por que não? Aproveitem!
Quando criança, lá pelos anos 80 quase que todos os dias eu ia de manhãzinha a Praia de Ponta Negra para caminhar. Era mágico ver o sol nascer ao pé do morro do careca. No fim dos anos 80 e começo dos 90, continuava a freqüentar a praia como tantos outros da minha idade que “marcavam ponto” nas barraquinhas. Ponta Negra era nossa! Em 2000 houve a reforma da orla de Ponta Negra e, durante algum tempo, isto foi um presente para os citadinos e para os turistas.
A partir deste marco, o bairro de Ponta Negra passou a sofrer um boom imobiliário. Então eu, como enamorada do bairro, fui fisgada pela flecha da imagem do morro do careca, vista da janela do meu (futuro, hoje atual) apartamento. Então fiz muitos planos para amanhecer com meus pés nas areias da praia, entardecer nas caminhadas do calçadão e anoitecer em algum restaurante nos dias de lua cheia. Meu apartamento foi comprado “na planta” em 2003, concluído em 2005 e, nele passei a residir no início de 2006. Aquele meu antigo sonho de morar em Ponta Negra foi enfim concretizado. Fui pega de surpresa por ter vizinhos internacionais, logo me acostumei com a enriquecedora mistura cultural. Mas ao colocar meus planos para funcionar, senti uma sensação de estranhamento e de (des)pertencimento ao lugar.
Em 2006 ainda, inicio o mestrado em arquitetura e urbanismo na UFRN. Por linhas tortas, passei a pesquisar sobre os processos de produção do espaço em Ponta Negra. A partir de então, a moradora apaixonada passa a usar as lentes da pesquisadora para tentar explicar: O que aconteceu com Ponta Negra?
Através do ajuste das escalas de processos globais, Ponta Negra é tomado como exemplo, onde os processos atuais de injeção de novos e substituição (ou mesmo expulsão via pressões capitalistas) dos residentes do bairro seguem o modelo da mercadificação das cidades. Ponta Negra passa a ser “coisificada”, vira mercadoria. Estes processos são meios neoliberais/neocoloniais de despossesão e apropriação de ativos através do que o geógrafo David Harvey chamou de renda de monopólio, que é efetivado por meio do controle de recursos naturais, mercadoria ou local de qualidade especial em relação a certo tipo de atividade; e onde a renda monopolista é extraída por aqueles que desejam usufruir de tal recurso, mercadoria ou local.
No bairro de Ponta Negra, notadamente, verificamos a retenção de terrenos imobiliários de qualidade singular para fins especulativos, e utilização de capital internacional (demanda solvável) para formar a base para o valor monopolista do terreno. Explico: especulação imobiliária através do monopólio da vista peculiar do morro do careca e demais características singulares do bairro, investimentos feitos com recursos públicos na dotação de infra-estrutura, amenidades naturais e o embelezamento do bairro passam a servir à sede da especulação imobiliária dos antigos moradores.
O mesmo David Harvey já mencionado cunhou o termo “empreendedorismo urbano” para definir a produção do espaço das cidades na transição para um regime de acumulação flexível. O modus operandi do novo empreendedorismo urbano “se apóia na parceria público-privada, enfocando o investimento e o desenvolvimento econômico, por meio da construção especulativa do lugar em vez da melhoria das condições num território específico [...]” e usa como uma de suas estratégias, a atração de recursos financeiros para a região urbana por meio do turismo. Foi este o modus operandi vigente no nosso país, estado e município.
Fecho este artigo confirmando o que minha lente de moradora já havia percebido empiricamente. Os processos específicos de desenvolvimento urbano sofridos na contemporaneidade, tais como a renda de monopólio e o empreendedorismo urbano fazem parte de uma racionalidade neoliberal que sustentam e aprofundam as desigualdades sociais através de processos de exclusão e segregação socioespacial.
Por isso, sinto-me destituída do pertencimento ao bairro que hoje apresenta tantos muros sociais invisíveis. Meus doces sonhos de caminhar no calçadão e sonhos de vários outros citadinos perderam-se no bruto esgoto depositado in natura na praia.
O assunto está na ordem do dia. A arquiteta e ambientalista Eleika Rochelle de Carvalho Bezerra Fechine (rochellebezerra@uol.com.br), Metroforma para os twitteiros, perguntou se o TL poderia postar suas bem traçadas. Por que não? Aproveitem!
Quando criança, lá pelos anos 80 quase que todos os dias eu ia de manhãzinha a Praia de Ponta Negra para caminhar. Era mágico ver o sol nascer ao pé do morro do careca. No fim dos anos 80 e começo dos 90, continuava a freqüentar a praia como tantos outros da minha idade que “marcavam ponto” nas barraquinhas. Ponta Negra era nossa! Em 2000 houve a reforma da orla de Ponta Negra e, durante algum tempo, isto foi um presente para os citadinos e para os turistas.
A partir deste marco, o bairro de Ponta Negra passou a sofrer um boom imobiliário. Então eu, como enamorada do bairro, fui fisgada pela flecha da imagem do morro do careca, vista da janela do meu (futuro, hoje atual) apartamento. Então fiz muitos planos para amanhecer com meus pés nas areias da praia, entardecer nas caminhadas do calçadão e anoitecer em algum restaurante nos dias de lua cheia. Meu apartamento foi comprado “na planta” em 2003, concluído em 2005 e, nele passei a residir no início de 2006. Aquele meu antigo sonho de morar em Ponta Negra foi enfim concretizado. Fui pega de surpresa por ter vizinhos internacionais, logo me acostumei com a enriquecedora mistura cultural. Mas ao colocar meus planos para funcionar, senti uma sensação de estranhamento e de (des)pertencimento ao lugar.
Em 2006 ainda, inicio o mestrado em arquitetura e urbanismo na UFRN. Por linhas tortas, passei a pesquisar sobre os processos de produção do espaço em Ponta Negra. A partir de então, a moradora apaixonada passa a usar as lentes da pesquisadora para tentar explicar: O que aconteceu com Ponta Negra?
Através do ajuste das escalas de processos globais, Ponta Negra é tomado como exemplo, onde os processos atuais de injeção de novos e substituição (ou mesmo expulsão via pressões capitalistas) dos residentes do bairro seguem o modelo da mercadificação das cidades. Ponta Negra passa a ser “coisificada”, vira mercadoria. Estes processos são meios neoliberais/neocoloniais de despossesão e apropriação de ativos através do que o geógrafo David Harvey chamou de renda de monopólio, que é efetivado por meio do controle de recursos naturais, mercadoria ou local de qualidade especial em relação a certo tipo de atividade; e onde a renda monopolista é extraída por aqueles que desejam usufruir de tal recurso, mercadoria ou local.
No bairro de Ponta Negra, notadamente, verificamos a retenção de terrenos imobiliários de qualidade singular para fins especulativos, e utilização de capital internacional (demanda solvável) para formar a base para o valor monopolista do terreno. Explico: especulação imobiliária através do monopólio da vista peculiar do morro do careca e demais características singulares do bairro, investimentos feitos com recursos públicos na dotação de infra-estrutura, amenidades naturais e o embelezamento do bairro passam a servir à sede da especulação imobiliária dos antigos moradores.
O mesmo David Harvey já mencionado cunhou o termo “empreendedorismo urbano” para definir a produção do espaço das cidades na transição para um regime de acumulação flexível. O modus operandi do novo empreendedorismo urbano “se apóia na parceria público-privada, enfocando o investimento e o desenvolvimento econômico, por meio da construção especulativa do lugar em vez da melhoria das condições num território específico [...]” e usa como uma de suas estratégias, a atração de recursos financeiros para a região urbana por meio do turismo. Foi este o modus operandi vigente no nosso país, estado e município.
Fecho este artigo confirmando o que minha lente de moradora já havia percebido empiricamente. Os processos específicos de desenvolvimento urbano sofridos na contemporaneidade, tais como a renda de monopólio e o empreendedorismo urbano fazem parte de uma racionalidade neoliberal que sustentam e aprofundam as desigualdades sociais através de processos de exclusão e segregação socioespacial.
Por isso, sinto-me destituída do pertencimento ao bairro que hoje apresenta tantos muros sociais invisíveis. Meus doces sonhos de caminhar no calçadão e sonhos de vários outros citadinos perderam-se no bruto esgoto depositado in natura na praia.
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