S.O.S. PONTA NEGRA
Venho acompanhando, desde o início, a mobilização popular do SOS Ponta Negra, quando Yuno Silva teve a iniciativa de criar o blog na internet, a fim de despertar a sociedade para evitar que percamos a paisagem do Morro do Careca, que ocorram sérios problemas sanitários e que a Vila de Ponta Negra receba um impacto de vizinhança considerado insuportável, tudo a partir das construções de prédios, cujas licenças foram cassadas pela Prefeitura recentemente.
Participei da audiência pública que houve na Câmara Municipal, de algumas reuniões, faço parte do grupo de discussão na internet, bem como acompanho também todas as notícias veiculadas pela imprensa potiguar, cuja cobertura tem sido ampla e precisa, expondo os argumentos de ambos os lados.
Nesse contexto, observo que os empresários responsáveis pelas construções partiram para um ofensiva destemperada, fruto do desespero de causa. Não enxergam que os achaques e as ameaças perpetrados somente depreciam a si próprios, assim como suas respectivas empresas. Não vêem que, num Estado Democrático de Direito, até a iniciativa privada precisa de legitimidade, de aceitação do povo e de cumprimento da legislação.
Partem da premissa imensamente equivocada de que por que pagam, mandam. Não é bem assim. O poder econômico não está acima do bem e do mal, nem podem tudo. Os interesses financeiros não são prevalentes numa sociedade complexa, na qual gravitam inúmeros outros valores e interesses.
Prefiro, então, imputar aos empreendedores, que não querem perder seus investimentos, essa incompreensão do sistema e da cultura democrática. Penso que se esqueceram que estão exercendo uma atividade de risco, em que podem, sim, perder de vez em quando. Seria mais nobre, pois, se admitissem a derrota e soubessem perder. Mas, o dinheiro envolvido fala mais alto.
Os empresários vociferam contra o SOS Ponta Negra. Já noticiaram que iriam processar Yuno Silva. Falam em supostas indenizações milionárias, perda de investimentos na cidade pela "insegurança jurídica" e praticam ironias contra o Ministério Público e a Prefeitura.
Contudo, toda a argumentação dos empresários cai por terra diante do fato de que apresentaram estudos incompletos para a SEMURB, acerca do meio ambiente e dos impactos de tráfego e de vizinhança. Há notícia, inclusive, que em algum dos procedimentos de licenciamento foi apresentado um plágio dos estudos realizados para a instalação do supermercado Makro - o famoso copiou-colou.
Ou seja, os vícios dos licenciamentos foram gerados por eles próprios, que não cumpriram à risca com o que determina a legislação federal e municipal a respeito. Induziram em erro a SEMURB, seja por omissão de informações, seja porque apresentaram dados que não correspondiam com a área da construção.
Logo, não há por que responsabilizar a Prefeitura.
De outra banda, o Prefeito Carlos Eduardo conduziu o processo com muita serenidade e altivez democrática, pois soube ouvir a sociedade e os empresários, bem como se pautou pelo ordenamento jurídico, conforme a iniciativa do Ministério Público, através da Dra. Gilka da Mata, e dos pareceres da Procuradoria do Município a respeito dos casos.
Por último, embora reconheça que os empresários podem mobilizar os trabalhadores da construção em prol dos interesses que defendem, não vejo legitimidade no ato a ser realizado dia 19.12.2006, porque se restringe ao segmento do empresariado e dos trabalhadores do setor, bem como a mobilização parte de um convencimento produto da manipulação e/ou sonegação de informações e do poder econômico exercido em face das famílias dos trabalhadores, as quais
dependem dos empresários para receberem seus salários.
Enfim, muito mais amplo e legítimo foi o abraço de ano novo ao Morro do Careca, realizado no dia 23.12.2006, que contou com representatividade de diversos setores comunitários e da sociedade civil organizada, bem como com a participação direta da população em geral.
* Daniel Pessoa - Advogado e coordenador do Observatório da Justiça e Cidadania/RN
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