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Ministério Público explica porque obras na Vila de Ponta Negra não podem prosseguir :: por Gilka da Mata, Promotora de Justiça do Meio Ambiente

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal

Ação Ordinária
Processo 001.06.027976-2
Autor: Natal Real Estate Empreendimentos Imobiliários Ltda
Réu: Município de Natal

“Infelizmente, porém, os embargos de declaração vêm sendo interpretados por muitos juízes como uma forma de 'crítica' às suas decisões. Por isso, alguns magistrados deixam de conhecer e examinar os embargos de declaração sob o argumento de possuírem caráter infringente, visando com isso esconder defeitos em suas decisões, colocando-as a salvo de reparos, como se o erro não fosse imaginável na atividade jurisdicional.

Tal mentalidade deve ser revista urgentemente, uma vez que os embargos de declaração não podem ser considerados como ataque pessoal ao juiz, mas sim como forma de colaboração com a atividade estatal, tendente a permitir que a decisão seja a mais perfeita, completa e clara possível.”

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, in Manual do Processo de Conhecimento. RT. 2005.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, pela 45ª Promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, no uso de suas atribuições constitucionais e legais e, em especial, com base no art. 535 e seguintes do CPC, vem interpor os presentes

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

Com vistas a suprir omissões constatadas na respeitável decisão interlocutória do Eminente Juiz de Direito Substituto da 3ª Vara da Fazenda Pública, Virgílio Fernandes de Macedo Júnior, prolatada nos autos em epígrafe, à fl. 209/213 dos autos, pelas razões de fato e de direito que passa a aduzir.

Conforme se observa na petição inicial, de fl. 28, a empresa autora da ação, NATAL REAL ESTATE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, requereu:

a) o deferimento da antecipação da tutela na forma requerida, uma vez demonstrados os requisitos autorizadores da mesma, para que se autoriza (sic) o Autor a voltar a construir o empreendimento referenciado, revogando os efeitos da Notificação nº 003/2006 da SEMURB.

Na decisão de fl. 213, o Eminente Juiz decidiu nos seguintes termos:

Com tais considerações, defiro a antecipação da tutela requerida para suspender, até ulterior deliberação, os efeitos da Notificação 003/2006 – SEMURB, endereçada à parte autora.

Com todo respeito, na r. decisão, o Eminente Magistrado omitiu-se de pronunciar-se sobre ponto essencial, de ordem pública, relativo à admissibilidade da própria ação.

Com efeito, na manifestação do Ministério Público de fl. 432, foi requerido que uma vez que fosse confirmada a anulação da licença ambiental expedida pela SEMURB ao empreendimento em apreço, fosse determinada a falta de interesse de agir da parte autora, uma vez que o pedido da mesma na presente demanda cinge-se à paralisação da construção do empreendimento em razão da notificação 003/2006 da SEMURB.

No requerimento ministerial foi mencionada a necessidade de se requisitar judicialmente informação ao representante da parte demandada para confirmar a anulação da licença concedida. Em que pese não ter sido requisitada essa informação, a própria parte autora, à fl. 202/204 dos autos, procedeu à juntada do Decreto Municipal 8.090, de 28/12/2006, cujo teor demonstra a anulação das licenças de instalação dos empreendimentos localizados no entorno do Morro do Careca, bairro de Ponta Negra, nesta capital, conforme despachos publicados no Diário Oficial do Município de natal no dia 20 de dezembro de 2006.

Com a anulação da licença ambiental concedida, surgiu um novo ato administrativo por parte da SEMURB – como mencionado no Decreto Municipal e como informado pela SEMURB, nos documentos em anexo. A notificação 003/2006, perdeu razão de existir e a suspensão judicial dessa notificação não tem mais o condão de atingir o ato administrativo posterior, que foi o da anulação da licença.

Considerando que nenhuma decisão judicial pode ser estéril, cabe ao Magistrado, antes de apreciar qualquer pedido em uma demanda, decidir preliminarmente sobre as condições da ação, que são: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimação ad causam. A falta de uma das condições da ação resulta em carência da ação.

No caso dos autos, o autor não possui interesse de agir. Nos termos dos clássicos ensinamentos de ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e CÂNDIDO R. DINAMARCO, na renomada obra Teoria Geral do Processo:

Interesse de agir – essa condição da ação assenta-se na premissa de que, tendo embora o Estado o interesse no exercício da jurisdição (função indispensável para manter a paz e a ordem na sociedade), não lhe convém acionar o aparato judiciário sem que dessa atividade se possa extrair algum resultado útil. É preciso, pois, sob esse prisma, que, em cada caso concreto, a prestação jurisdicional solicitada seja necessária e adequada.

Sobre adequação, vale também transcrever:

Adequação é a relação existente entre a situação lamentada pelo autor ao vir a juízo e o provimento jurisdicional concretamente solicitado. O provimento, evidentemente, deve ser apto a corrigir o mal de que o autor se queixa, sob pena de não ter razão de ser. (...)

No caso dos autos, a suspensão da notificação 003/06 da SEMURB não pode autorizar o empreendedor a voltar a construir o empreendimento, conforme requerido, uma vez que as obras estão paralisadas por força de outro ato jurídico, posterior, conforme informado nos autos pelo autor, à fl. 204 e conforme documento em anexo, que demonstra que a anulação foi formalizada através da NOTIFICAÇÃO 007/2006 da SEMURB, expedida em 27/12/2006.

Vale ressaltar que as questões ligadas às condições da ação são de ordem pública, não precluem e devem ser apreciadas até mesmo ex officio pelo Magistrado.

Também não se questiona sobre a possibilidade de alteração do comando judicial em razão do acolhimento, em sede de embargos de declaração, de matéria de ordem pública, como se demonstra no comentário de NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, na obra Código de Processo Civil Comentado. RT, 2006:

Os EDcl podem ter, excepcionalmente, caráter infringente quando utilizados para ... b) suprimento de omissão ... A infringência do julgado pode ser apenas a conseqüência do provimento dos EDcl, mas não seu pedido principal, pois isso caracterizaria pedido de reconsideração, finalidade estranha aos EDcl (...) A infringência poderá ocorrer quando for conseqüência necessária ao provimento dos embargos.

Exemplo: a sentença acolheu o pedido mas é omissa quanto à preliminar de prescrição. Opostos os EDcl para suprir a omissão e o juiz entendendo que houve prescrição, dará provimento aos embargos. A conseqüência do provimento do recurso, que em seu mérito já terá sido, portanto, julgado, será a de modificar-se o dispositivo da sentença de procedência para de improcedência do pedido. (CPC 269, IV)

Merece esclarecer que os presentes embargos são dirigidos ao mesmo Juízo que proferiu a decisão interlocutória e que não são vinculados à pessoa do Juiz, uma vez que este estava em substituição nessa 3ª Vara da Fazenda Pública, como mencionado na decisão. Nesse sentido, vale mencionar o comentário de NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, na obra já mencionada:

Os EDcl. devem ser dirigidos ao mesmo juízo que proferiu a decisão interlocutória, sentença ou acórdão embargado. É este órgão judicial que deve, também, julgá-los. Não se dirigem à pessoa física do juiz, de sorte que, para o julgamento dos EDcl, é irrelevante o fato de o juiz que proferiu a decisão embargada não mais estar em exercício perante o juízo competente. Não se aplica aos EDcl, portanto, o princípio da identidade física do juiz (CPC 132)

Outro aspecto que precisa ser completado na decisão, portanto, diz respeito ao acatamento ou não do pedido do autor de voltar a construir o empreendimento referenciado.

O Eminente Magistrado não se pronunciou expressamente sobre esse pedido. Foi claro ao determinar a suspensão da notificação 003/2006 da SEMURB, mas omitiu-se em deferir ou não o pedido para autorizar o retorno da construção.

Entende o Ministério Público que o Eminente Magistrado não poderia autorizar o retorno da construção do empreendimento, uma vez que a Licença correspondente foi anulada. Uma decisão nesse sentido seria ultra petita, já que as obras estão paralisadas não mais em razão da notificação 003/06 da SEMURB e sim, com base na notificação 007/2006, que não foi impugnada na presente ação.

Não é demais ressaltar, que no licenciamento ambiental e urbanístico, as licenças concedidas precisam ser periodicamente renovadas e que segundo informações da SEMURB, a empresa autora não requereu a renovação nem da licença ambiental de Instalação, nem do alvará de construção, autorizações atualmente expiradas.

Caso fosse autorizado o retorno das obras, quais as determinações e condicionantes que deveriam ser seguidas pelo empreendedor, uma vez que tanto a licença de instalação, quanto o alvará de construção estão vencidos? As obras ficariam sem qualquer controle do órgão ambiental?

Diante de tudo o que foi exposto, o Ministério Público REQUER que sejam providos(*) os presentes embargos para:

1) que esse Juízo se pronuncie acerca do requerimento do Ministério Público constante à fl. 181 dos autos, consistente no reconhecimento da falta de interesse de agir da parte autora, uma vez que o pedido da mesma cinge-se à paralisação da construção do empreendimento em razão da notificação 003/2006 da SEMURB e como comprovado pela própria parte autora, à fl. 204, a licença de instalação foi posteriormente anulada. Essa anulação constitui-se em um ato administrativo diverso, com fundamentação própria e noticiada à parte autora através da notificação 007/2006;

2) que também, em complemento à decisão em apreço, e após a apreciação do requerimento de ausência de uma das condições da ação: seja esclarecido se foi atendido o pleito da demandada de voltar a construir o seu empreendimento;

3) por fim, que seja corrigida a determinação de citação do Ministério Público para apresentar defesa como litisconsórcio passivo necessário, uma vez que o Ministério Público atua na presente lide como custos legis, em razão do interesse jurídico relevante, afeto à defesa do meio ambiente e com respaldo nos arts. 127 e 129, III da Constituição Federal, na legislação infra-constitucional e estadual relativa ao Ministério Público e na Resolução 002/2001 – CPJ (fl. 149). Sendo assim, a Instituição deve ser intimada das decisões judiciais e não citada para apresentar defesa.

Termos em que, pede e espera deferimento.

Natal, 13 de março de 2007.

GILKA DA MATA DIAS
45ª Promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente

(*) Segundo os ensinamentos de NELSON NERY JÚNIOR E ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, as questões de ordem pública não são nem novas nem se submetem à idéia de contraditório decorrente do princípio dispositivo(...) Isto porque incide sobre essas matérias de ordem pública o princípio inquisitório, isto é, o juiz deve conhecê-las de ofício, independentemente da alegação da parte. Se é assim, por que ouvir-se o embargado quanto às matérias que o juiz deve decidir sem ouvir ninguém. O princípio aqui não é o do contraditório, que decorre do princípio dispositivo, mas o inquisitório, que prescinde dele.

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