Alto de Ponta Negra é o “point”
Jacson Damasceno - Repórter
Foto: Júnior Santos
SEXO-TURISMO - Movimento chama atenção na rua Manoel Augusto
No início do ano a Praia de Ponta Negra foi alvo de operações realizadas no sentido de se combater os diversos delitos praticados na área. Além do sexo-turismo, praga estabelecida em várias capitais do país e um dos principais problemas de Natal, as forças-tarefas visavam acabar com o tráfico de drogas, vandalismo e até crimes tributários, nos estabelecimentos do local.
A idéia foi aprovada por quase todo mundo. O formato ostensivo das operações chamou a atenção. Polícias Federal, Militar e Civil, Ministério Público, órgãos de vigilância sanitária, de proteção ao menor e até representantes da Secretaria de Tributação participavam das ofensivas, chegando de surpresa à praia e abordando Deus e o mundo.
Com a realização de várias operações, o objetivo foi alcançado. Pelo menos na Erivan França, avenida à beira-mar e principal endereço das blitzen, foram reduzidos os índices de prostituição, de vandalismo, de estrangeiros à procura de sexo barato e de mulheres à venda. Mas algo não deu tão certo e por tabela, foi reduzido o número de bons turistas, de famílias e de estabelecimentos lucrativos. A “onda” agora é se divertir na rua mais acima, a Manoel Augusto Bezerra de Araújo, em cuja esquina fica a Ilha da Fantasia. A boate pertencia a um grupo de italianos e foi fechada pela polícia em uma operação contra o sexo-turismo.
O local vem sendo chamado por alguns de “Alto da Ponta Negra” e atualmente recebe todo o público que freqüentava a Erivan França. Com o fenômeno, todos os problemas também foram transferidos. As mesmas meninas quem vendem o sexo nacional aos mesmos tipos de visitantes estrangeiros. Assim como as brigas e o tráfico, velado e silencioso, mas não menos maléfico. E o movimento que havia em uma rua apenas, se espalhou por várias outras adjacentes, transformando o local no novo ponto da diversão natalense.
É até clichê falar que nem tudo no local é ruim ou fora-da-lei. Pelo contrário. A bem da verdade, existem ali vários bares, restaurantes e casas de shows cujos produtos e públicos são dos melhores oferecidos em Natal. A variedade e o bom gosto dos pratos e bebidas oferecidos fazem da região um verdadeiro pólo gastronômico. Além disso, a esmagadora maioria do público é formada por quem quer apenas se divertir com os amigos.
Mas como era na Erivan França, os pontos de prostituição são mais que visíveis e a prática acontece indiscriminadamente. Em pelo menos um estabelecimento, o cardápio oferece boa comida e boa bebida, como qualquer outro. Mas o que mais atrai uma parte dos estrangeiros é o produto ofertado nas mesas e balcões. A lascívia de uma noite com as garotas-de-programa brasileiras.
Em uma visita ao local, conhecemos Manuela. Com 18 anos de idade, a garota do bairro das Quintas é assídua freqüentadora do “Alto de Ponta Negra”, mas começou a se prostituir na avenida Erivan França, seis anos atrás. De forma descontraída e sem pudores, ela conta, sob a sua visão, porque o movimento na avenida à beira-mar praticamente acabou. E dá sua opinião sobre as operações realizadas pela polícia no local.
Avenida Erivan França hiberna
É fato que a grande maioria das pessoas não aprovava a situação da avenida Erivan França há cerca de seis meses. Os homens reclamavam de que já não se sentiam mais à vontade para levar suas famílias para um passeio e as mulheres indignavam-se com as abordagens insólitas de estrangeiros sedentos de prazer. Mas hoje é impressionante como em algumas noites, aquele que é um dos locais mais aprazíveis da cidade - e que anteriormente sequer dispunha de vagas para os carros dos que se dirigiam para lá - tem a aparência de uma cidade fantasma.
Na mesma madrugada de quarta para quinta em que o “Alto de Ponta Negra” fervia, a avenida Erivan França dormia ou hibernava. Já que o pouco movimento, segundo os comerciantes, tem sido uma constante. De todos os bares, restaurantes e centros de compras, somente um estava aberto e com um número reduzido de clientes. Pouquíssimos vendedores ambulantes arriscavam-se em expor seus produtos e se queixavam da abrupta dos lucros.
Alguns hippies teimavam em mostrar seus artesanatos. Mas as únicas pessoas que davam atenção eram seus próprios amigos, mais interessados no bate-papo e na companhia da madrugada. Pelo lado bom, não se ouve mais o barulho ensurdecedor de dezenas de porta-malas-trios-elétricos tocando ao mesmo tempo, mas em contrapartida o silêncio absoluto, quebrado apenas pelas ondas do mar, é outro sintoma do definhamento da área turística.
Eduardo Gomes da Silva vende hula-hula, o conhecido coquetel de frutas servido em um abacaxi. E por uma falta de sorte, montou o carrinho uma semana antes das batidas policiais na área. Somente por sete dias sentiu o gosto de ganhar um dinheirinho a mais. Hoje em dia, vara as madrugadas no mesmo local, lucrando dez vezes menos e voltando para casa com quase a mesma quantidade de material para a bebida.
“Hoje eu não apurei nem R$ 15 aqui. Naquela época teve dia de eu sair daqui com mais de 150 conto”, reclama o vendedor após um longo bocejo. Ele é um dos que corroboram a idéia de que o movimento acabou depois que as polícias empreenderam as ações de força-tarefa contra o sexo-turismo. “Rapaz, logo depois daquelas batidas eu nem descia aqui, que não adiantava. Não tinha era ninguém mesmo. Hoje ainda vem alguém mas é isso aí que você está vendo”.
Um outro rapaz que se aproximava dava um diagnóstico mais direto, como um especialista no assunto. “Rapaz, o que acontece é que isso aqui era cheio de gringo, pra todo lado. Mas os gringos têm um medo de polícia que se pelam. Eles chegam aqui falando: polizia? Polizia non. Polizia non gosta.”, diz o jovem fazendo graça, imitando o sotaque dos italianos.
É ali onde a polícia se prepara para colocar em funcionamento o sistema de monitoramento por câmeras de vídeo, advento proclamado aos quatro ventos pela cúpula da Secretaria de Defesa Social. Mas a nova tecnologia, que promete ser uma poderosa arma contra o crime é motivo de galhofa entre os ambulantes. “Acho até bacana essas câmeras aqui. Estavam para botar um dia desse. Acho que já está funcionando, nem sei. Mas vai pegar o que aqui, se está tudo lá pra cima? Vai filmar é um bocado de bêbo daqui da praia mesmo”. A piada do outro homem que fazia parte da turma faz todos caírem na gargalhada.
Já no fim da avenida, próximo à subida da ladeira, o movimento de alguns animados jovens quebra o marasmo e lembra a Erivan França de tempos atrás. Na faixa dos 19, 20 anos, os dois casais bebem e dançam aos beijos e abraços fogosos, sem se importarem com o risco do deserto ao redor. Ao som de um forró dos de hoje em dia, saído do porta-malas de um carro estacionado ao lado, os quatro se esbaldam. Até que uma das garotas percebe a presença da reportagem da TRIBUNA, a cerca de 20 metros, fazendo fotos do calçadão solitário. “Moço, moço, deixa eu ver as fotos que você tirou, por favor. Você não tirou fotos da gente, né? É que meu namorado não sabe que eu tô aqui”, disse. A menina de óculos e aparência frágil era bem mais danada. E o calçadão de Ponta Negra agora é o local para quem deseja se aventurar pelos mares da traição.
Briga, confusão e tiro para cima
E como acontecia na avenida à beira mar, o Alto de Ponta Negra vem sendo palco de confusões comumentes. Na madrugada de quinta em que a reportagem foi feita, uma briga ocorrida no local causou um grande corre-corre e fez com que um dos estabelecimentos baixasse as portas. Como se isso não bastasse, homens da polícia militar foram chamados para resolver a situação, mas acabaram assustando os presentes mais ainda, com direito a tiro para cima e desfile de armas em via pública. Tudo sem qualquer necessidade.
Segundo informações de populares, a briga começou entre um taxista e um jovem que estava bebendo no local. A área onde o fato aconteceu reúne centenas de natalenses e estrangeiros em busca de diversão, principalmente nas noites de quarta-feira, sexta e sábado e por isso, havia muitas pessoas durante a confusão. Uma gangue de adolescentes também se envolveu e um bar precisou baixar as portas para evitar um prejuízo maior.
Porém, cinco minutos depois a briga acabou por si só e os ânimos já estavam, aparentemente, tranqüilizados. Os policiais militares chegaram logo depois, com o intuito de encerrar a briga, mas acabaram revoltando os presentes. A primeira viatura a aparecer foi a 132 da companhia de turismo. O PM que ocupava o banco do carona vinha com a pistola para fora do carro e disparou um tiro pra cima.
Houve um grande corre-corre. As meninas gritavam, enquanto os rapazes tentavam protegê-las. Muitos clientes saíram correndo dos restaurantes e outros se jogaram ao chão. “Pra que isso tudo?”, comentou um rapaz. Pouco depois, a viatura 135 da mesma companhia chegou para o apoio e outros policiais desceram.
Os policiais tentavam contornar a situação de caos. No meio do cruzamento, um policial desfilava com dois revólveres nas mãos - um deles, cromado e de cano longo - e controlava o público e o trânsito balançando os braços, ainda com as armas em punho. Um outro soldado, ao perceber que a cena era registrada, tentou intimidar o fotógrafo da TRIBUNA DO NORTE. “O que você está fotografando aí? Você pediu minha permissão? Você pediu? Eu sou um ser humano como você e tenho meus direitos”, esbravejou.
O soldado que reclamou dos jornalistas comunicou o fato a um colega. “Ele tirou minha foto sem minha permissão. Ele pode fazer isso?”. O outro policial disse que não e também reclamou com o fotógrafo. O PM que tinha os revólveres nas mãos perguntou à equipe de jornalistas sobre o que estava acontecendo, e ao ser informado, cumprimentou a equipe e apazigüou a situação. “É reportagem? Tudo bem, tudo bem”.
Pouco tempo depois, os policiais se retiraram do local, levando preso um dos brigões. Algumas pessoas condenavam a abordagem dos policiais e outras, voltaram a beber e dançar. No calçamento, deixada para trás, ficou a cápsula da pistola .40 do policial.
ENTREVISTA: “Não tem isso de sexo-turismo”
Tribuna do Norte - Quando você começou a se prostituir?
MANUELA: Faz seis anos. Eu tinha doze.
E o que fez você cair nesta vida?
M: Ah, eu queria minha independência. Não queria mais depender de mãe, pai, avó. E emprego também está difícil, né? Minha mãe é aposentada. E pra viver de aposentadoria... A gente também é filho, tem família e ninguém pensa nisso, no lado da gente. Aqui não tem essa de vida fácil. Eu estou aqui faz seis anos e não tem nada de vida fácil. Te garanto que ninguém está aqui por quer.
Quanto custa, em média, o programa destas meninas que trabalham por aqui?
M: Gira em torno de R$ 200. É o que elas cobram pros gringos. Mas eu cobro mais, né? Lógico. Eu cobro em torno de R$ 400 a R$ 800. (passa a mão no cabelo e faz graça).
E como tudo acontece? Como os programas são combinados nesses bares?
M: As meninas pagam R$ 5 para entrar. Antes era de graça. Mas depois daquelas batidas da polícia eles cobram. Pra regular mais, sabe? Antes entrava muita menina de menor.
Daí lá dentro vocês abordam os clientes.
M: Que conversa é essa? Não tem essa de abordar. Não sei de onde o povo tira isso. Tudo acontece normal. Como uma paquera. A gente dança, se conhece e de repente rola um clima. Às vezes a gente se conhece por amigos e se interessa. É como qualquer pessoa normal. A diferença é que rola dinheiro.
Existe predominância de alguma nacionalidade dos estrangeiros, por época do ano?
M: Tem. Agora são mais italianos, holandeses e noruegueses. Em junho, julho e agosto dá muito espanhol. E na alta estação é que dá todos os lugares.
Há alguma preferência das meninas por algum deles?
M: Não tem isso, não. Eu não vejo. São todos iguais. Se você for romântica com eles, eles são românticos com vocês.
Mas às vezes se ouvem casos em que alguns são agressivos e querem bater em vocês.
M: Bater não, gritar. Tem alguns que gostam de gritar, mas a gente não deixa. Mas menino... Sou brasileira e estou no meu país. Aqui eles têm que ficar pianinho. Quando eu for pro país deles, eu fico calada. Mas aqui, não.
E você? Tem alguma preferência?
M: Hum... Deixa eu ver... Ah, eu gosto mais dos italianos.
Por quê?
M: Porque o primeiro que eu fiquei era um italiano. E ele foi muito romântico comigo e tal, eu gostei muito dele e ele gostou de mim. Aí até hoje eu gosto muito dos italianos.
Você diz o primeiro quando você tinha 12 anos, é isso?
M: Exatamente.
Por que vocês saíram da Erivan França e vieram aqui para cima?
M:Foi por causa daquelas batidas mesmo. As pessoas ficaram... como eu posso dizer? Transtornadas, sei lá. Os estrangeiros deixaram de ir pra lá. Por causa daquela coisa com os passaportes, as multas, não sei direito. Antes tinha muito mais turismo. Aí criaram esse point novo, todo mundo começou a vir pra cá e pronto. Mas eu não venho todo dia. Só quando dá na cabeça.
O que você acha das operações contra o sexo-turismo?
M: Não tem isso de sexo-turismo. Não tem isso. É como um trabalho normal. Acho que foi muito ruim porque Natal precisa do turismo. Não é só a gente. O pessoal natalense também quer conhecer outras pessoas, outras culturas, falar outras línguas. Eu mesmo falo três línguas. Hoje você vê ali, os restaurantes sem ninguém, os bares sem clientes, os hotéis. E não sei pra que tudo isso. Se nem Cristo combateu a prostituição.
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