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Texto do escritor Pablo Capistrano sobre a beleza de surpreender-se a cada dia com a natureza

A eterna novidade

por Pablo Capistrano
Ilustração: Jota Medeiros

Quando me casei, Nonato Gurgel e Graça Aquino, meus padrinhos de casamento, resolveram nos presentear com um quadro. Perguntaram qual obra de um artista plástico potiguar que eu gostaria de ter na minha sala. Lembrei de uma exposição de Jota Medeiros, na UFRN, salvo engano no final dos anos noventa. Jota fazia uma leitura de diversas referências do expressionismo abstrato, inclusive Pollock.

Mas sua pincelada era firme, como se gotas de tintas amarelas e vermelhas fossem impressas à força sobre um fundo escuro. As cores quentes das manchas contrastavam com o fundo frio e suas linhas grossas saltavam da tela reforçando a tridimensionalidade do quadro.

Meu filho Uriel (hoje com dez anos) costumava a admirar o quadro. Um dia eu lhe perguntei: “o que é que você mais gosta nesse quadro?”. Ele disse: “o caminhão”. Até hoje eu procuro enxergar esse caminhão no meio das manchas abstratas de Jota Medeiros, mas acho que o tempo e as banalidades da vida andaram mexendo com minha infância e deixando meu olhar mais seco para as maravilhas do mundo. A força da arte reside justamente na busca desse pasmo inicial da vida, perdido pelas forças dos fatos secos que nos obrigam a crescer e desenraizar nossa alma do solo originário que nos construiu.

Assim como uma pintura de um grande artista, a natureza nos leva ao estado essencial, a forma básica da eterna novidade do mundo. Sem esse olhar, a vida nos destrói, nos consome, nos corrompe, nos torna menores, desmonta o colorido de nossos dias e esvazia nossa vontade de viver. Nunca deixei de me espantar com a natureza. Nunca deixei de me sentir transportado para um estado de maravilhamento ingênuo quando, por exemplo, caminho de manhã na praia de Ponta Negra e sou surpreendido pela imagem do Morro do Careca.

O cenário daquela duna gigantesca, tão forte e tão frágil, tão intensa e tão delicada, é, para mim, a eterna novidade de Natal. Por isso senti um frio na espinha e uma profunda melancolia, quando soube, pela Internet, que um espigão de quinze andares iria ser construído ao lado do morro. Sei que é difícil entender isso. Sei que, para os homens de negócios, que costumam a passar muito tempo calculando lucros e riscos, pode soar uma ridícula banalidade impedir um empreendimento que injetaria um zilhão qualquer de euros na economia da cidade.

Posso ser só mais um idiota ingênuo, um sonhador romântico assolado por forças invisíveis e por idéias inúteis e perigosas. Posso estar errado, mas sinto que a vida não seria a mesma se, ao lado do meu morro, um gigante de concreto e vidro me obrigasse todo dia pela manhã, a lembrar que a beleza também morre.

Talvez eu fique mais rico, compre mais livros, viaje mais para a Europa, troque de carro todo ano, ou mesmo possa comprar novas obras de arte para decorar minha sala de estar, se o mercado imobiliário transformar Ponta Negra em alguma espécie bizarra de Manhatan dos trópicos. Não sei.

Só sei que minha praia perderia seu encanto. Sei que tudo passa, que tudo flui e que a natureza não criou nada que seja imutável. Mas sei também que, se um dia, meu morro tiver que disputar meu olhar com um prédio de quinze andares, uma parte substancial da alma do lugar em que eu nasci vai se perder. Sei que um dia, o mar vai levar meu morro embora, mas queria ter a oportunidade de vê-lo inteiro e sozinho em seu cenário por mais alguns anos. De preservar, da angulação original, sua beleza transportadora. De poder partilhar o meu pasmo essencial com meus filhos, de fazer com que essa beleza possa carimbar seu encantamento na memória deles, como carimbou na minha. Não sei quanto dinheiro vou ter que gastar para indenizar o prejuízo dos digníssimos investidores. Só sei que a arte (a beleza) existe para que a verdade não nos destrua. E isso não tem dinheiro no mundo que pague.

Pablo Capistrano é escritor e professor de filosofia. Escreve às segunda no Miolo de Pote :: http://blog-miolo-de-pote.blogspot.com

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostaria de saber mais sobre Jota Medeiros. Ele tem algum site ou blog? Pois li uma reportagem na internet em que ele citou a cidade de Belém na Paraíba, e que a sua inspiração para um poesia visual que fez foi contemplando "a pedra do cordeiro" uma pequena montanha dessa cidade na qual eu resido.

Yuno Silva disse...

ou Júnior, olha eu não achei nenhyum blog ou site do Jota Medeiros mas tenho aqui o endereço do autor do texto que talvez possa te ajudar.

anota aí: www.pablocapistrano.com.br

abraços,

yuno

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