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Matéria TN 29/10 - Transformações da Vila

A transformação de um vilarejo

Jaqueline Santos - Repórter
Foto: Emanuel Amaral

AMEAÇA - Poucos são os pescadores que ainda resistem na atividade em Ponta Negra

A Vila de Ponta Negra, localizada na Zona Sul de Natal, teve início no começo do século XVIII. Na época, sua população era constituída apenas de pescadores que construíram as suas casas de palha de coqueiro à beira-mar e depois se deslocaram para o cima da colina, onde se originou o núcleo da vila.

Além da pesca, os homens começaram a cultivar roçados e fazer carvão. As mulheres faziam a renda de bilro, atividade realizada até os dias de hoje. Durante muito tempo, esse povoado manteve um grande isolamento em relação ao centro da cidade, devido à distância e ao fato de as pessoas terem seus meios de subsistência no próprio lugar.

A paisagem foi sendo modificada nos anos 80, com o crescimento do turismo e com o desenvolvimento urbano de todo o bairro, que se transformou num dos pontos turísticos mais importantes da cidade, passando a ser considerada uma área privilegiada para moradia, entretenimento e obtenção de renda.

Como resultado, a vila recebeu novos tipos de habitação, novas atividades econômicas, moradores com condições sociais e costumes diferentes. Já nessa época, o crescente fluxo de turistas alterou a natureza da ‘Vila’.

Foi na década de 90, que a Vila de Ponta Negra começou a receber um grande número de edificações, com o objetivo de dar suporte para as atividades turísticas. A partir dessa época, a vila recebeu a construção de hotéis, pousadas, restaurantes, e alguns mega-empreendimentos, construídos de forma diversificada, porém aglomerada.

É na vila que está localizado o mais famoso cartão postal da cidade, o Morro do Careca. Até o fim dos anos 90, era possível subir a duna e admirar a bela paisagem lá de cima. Contudo, a área começou a ser atingida pela erosão e seu acesso foi proibido.

De qualquer maneira, a vila é hoje alvo de intensa especulação imobiliária e cresce de forma assustadora. Por esses motivos, a vila está deixando de ser tão ventilada e está cada vez mais quente. O banho de mar já não é tão convidativo, devido à intensa poluição e o turismo sexual tomou conta da orla.

Tradição é passada de pai para filho

A Vila de Ponta Negra tem muitos encantos e sobretudo tem história, que deve ser preservada. É o caso dos Congos de Calçola, uma tradição folclórica que ressalta os saberes advindos dos mestres e brincantes e contribui com o acervo cultural da comunidade. Os Congos de Calçola encenam uma dança dramática de origem africana que narra a peleja por conflito de terra. Vassalos, reis, rainha, embaixadores e príncipes são os personagens do folguedo.

Hoje os Congos de Calçola são liderados pelo mestre Correia e contam com 18 participantes. Os vassalos lutam com espadas e maracás ao ritmo do tarol.

Pedro dos Santos Correia (51), morador da Vila de Ponta Negra, é irmão do Mestre Correia e conta que a tradição é familiar. O pai aprendeu o folguedo com o seu avô. “A tradição começou na época dos meus avós quando a vila ainda era aldeia de pescador. A família vai se renovando e não deixa a tradição morrer. As danças e as músicas não mudaram”.

Segundo ele, logo cedo os meninos são iniciados na brincadeira, a maioria começa a freqüentar os ensaios com 7 anos. “Na família todo mundo começa a dançar com no máximo 8 anos. Tenho um sobrinho com 5 anos que já vai ser iniciado”.

O senhor Pedro contou que os Congos da Vila de Ponta Negra foram os pioneiros no folguedo em todo o Estado e eram conhecidos primeiramente apenas por ‘Congos’, mas com a criação do grupo de São Gonçalo do Amarante, que foi chamado de ‘Congos de Saiote’, o Grupo da Vila passou a ser conhecido como os ‘Congos de Calçola’.

Pedro Correia disse que tradicionalmente os Congos de Calçola se apresentam em três festas: no São João, no Natal e no Carnaval. "Nessas festas adaptamos os ritmos da música de acordo com o estilo da festa”.

Ele relata que a maior dificuldade do Grupo é a falta de incentivo à cultura, fazendo com que as pessoas desconheçam a existência dessa tradição folclórica, que surgiu na Vila de Ponta Negra. “Não há nenhum incentivo do Poder Público para a divulgação da cultura popular no Estado. Nossa cultura foi reconhecida na época em que Djalma Maranhão era prefeito de Natal e quando Cortez Pereira foi Governador começamos a receber apoio da Fundação José Augusto. Hoje a Fundação não nos dá nenhum apoio. Desde fevereiro do ano passado estamos tentando receber pagamento pelas apresentações do carnaval”.

Limites do Vilarejo estão em expansão

Dentre as ruas estreitas da Vila é possível encontrar casas de todos os níveis sociais, das mais luxuosas às mais simples. A paisagem do antigo vilarejo está se modificando. Algumas ruas já não têm nenhuma característica do que foi um dia uma aldeia de pescadores.

E os limites da Vila se expandiram e já chegaram até o muro da barreira do inferno. Quem não conhece o lugar, facilmente se perde entre as ruas estreitas tomadas por prédios, pousadas e antigas casas. As placas de venda estão por toda a parte. É o resultado da especulação imobiliária.

Foi o que aconteceu com o Julho Nonato de Oliveira (39), que tinha um terreno na vila com 600 metros quadrados e hoje já comercializou grande parte. Só lhe resta uma área de 6 metros por 11 metros. “Vendi meu terreno para um empresário de Fortaleza, que desejava investir na área”.

O mesmo pensamento tem o morador José Xavier de Souza (57), que mora há 22 anos na Vila. Ele conta que quando chegou não tinham quase casas. E hoje já pensa em sair de lá pelo custo de vida que está muito alto. “Os preços aqui são para os turistas. Nós moradores estamos perdendo a vez”.

Ele comenta que os maiores problemas decorrentes do aumento do turismo foram a prostituição na beira da praia e as drogas que estão cada vez mais presentes no dia-a-dia dos moradores da Vila. “Temos que pedir a Deus que os nossos filhos não sejam influenciados por viver nesse meio”.

O morador Leôncio José das Chagas (54), mora na Vila a sua vida inteira e diz que não tem vontade de sair do lugar. “Tem muita gente vendendo as casas aqui e indo morar em Pium, em Nova Parnamirim, na Zona Norte e no Lago Azul. Não vou sair daqui, minha família nasceu e se criou nesse lugar”.

Uma atividade vive a ameaça de extinção

A pesca na Praia de Ponta Negra é uma atividade quase em extinção. É o que conta o pescador Samuel Rodrigues (63), nativo da Vila, que pesca desde os 15 anos na praia de Ponta Negra.

Ele relata que na sua família todos eram pescadores. O seu avô, o seu pai, ele e seu irmão. Mas os seus filhos não querem saber da pesca. “Meus filhos trabalham com turismo. Não querem nem ouvir falar em pesca”.

Apaixonado pela profissão, diariamente seu Samuel sai para pescar. Mas diz que tem uma atividade muito praticada na praia que prejudica a pescaria, é o surf. “Eu pesco com arrastão e os surfistas espantam os cardumes de peixes”.

Segundo ele, nos últimos dez anos a pescaria está se tornando cada vez mais rara, que só é praticada pelos mais velhos, pois os jovens não querem sair para pescar. “A pesca está se acabando por causa do turismo. Aonde o turismo chega a pesca acaba”. O pescador conta que há 30 anos mais de 100 barcos de pesca saiam para o mar, hoje esse número não chega a 15. “Em toda a vila devem existir no máximo 50 pescadores”.

Ele informou que antes o pescado era dividido de forma igual entre o pescador e o dono do barco. Hoje o pescador fica com 70% do pescado e mesmo assim não há interessados pela profissão. “Eu tenho um barco e três arrastões. Só estou usando um arrastão, o restante está parado”.

Apesar de ter criado os seis filhos com a pesca, seu Samuel diz que só dá para sobreviver com muito amor à atividade. “Estou com duas redes encostadas, cada uma vale R$ 6 mil, minha jangada está nova e para comprar tudo isso precisei de fiador”.

Ele reclama que nunca contou com nenhum incentivo do governo. O governo era para financiar o material para a gente e ao invés de pagarmos R$ 40,00 pelo metro da rede era para o governo nos vender por R$ 20,00, mas a atividade não é incentivada e o único que ganha com a pesca é o atravessador. Por isso ninguém quer mais pescar”, finaliza seu Samuel.

Já o senhor Manuel Felinto de Carvalho (65), mais conhecido como Manuca, conta que ainda dá para sobreviver da pesca e que o melhor período para a prática da atividade está começando agora em outubro e vai até janeiro.

Ele diz que há muitos anos sonhava em ter uma jangada, mas há pouco tempo o seu sonho pode se concretizar. Morador da Vila, durante muitos anos eles sobreviveu do lucro com uma barraca que tinha na beira da praia, e com a atividade de marceneiro.

Com sua nova jangada, Manuca emprega quatro homens e o peixe trazido por eles é dividido igualmente. “Todo o peixe trazido por eles levo para minha casa e é consumido pela minha família”. Cássio Pereira da Costa (35) trabalha no barco do seu Manoel, ele conta que apesar de ter a carteira assinada como pescador, a sua situação está difícil. “Antes a gente pescava 30 quilos de peixe, hoje não chega a 10 quilos, pra dividir entre três pessoas. O lucro é muito pequeno. Os atravessadores que compram o peixe da gente só pagam R$ 5,00 por quilo”.

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